Mano Brown no estilo Boggie Naipe
Mano Brown estreia sua carreira solo, porém não é em um disco de rap, apesar do Hip Hop estar presente na obra, o “Boogie Naipe” vem flutuando entre o Soul e o groove do Funk dos anos 70, com produção assinada por Lino Krizz, e a voz inconfundível do líder dos Racionais MC’s.
O álbum tem 22 faixas e é um documento de resgate da música negra, tão importante para as bases dos Racionais, “Boggie Naipe” é um registro de um baile black dos anos 70 nas noites de São Paulo, com todo o charme e malandragem de Brown.
O disco é repleto de participações, o que ajuda na variação dos ritmos dentro da música black, do funk ao soul, passando pela MPB, R&B e pelo rap. Lino Krizz é o grande parceiro de Brown e o maestro dessa obra.
Boogie Naipe abre com uma vinheta que se passa numa festa até Wilson Simoninha, que faz feat, pedir para que todos “Sinta-se Bem com o Boogie Naipe”.
Em seguida "Gangsta Boogie", que dá sequencia ao álbum e a faixa anterior, e traz a rima agressiva do rapper, e traz sample de Chicago Gangsters, da música de mesmo nome, participação de Lino Krizz:
“Bola um, companheiro, Mas que dia de cão Nessa porra, sei não. Que seu truta precisa Aquela filha de uma… Roubou minha brisa Usou, me atacou, ó. O laço agora é nó”
A faixa três é "Mal de Amor", com o Krizz e Ellen Oléria, o flow de Brown faz sua voz grave atingir notas agudas, como quem brinca, numa canção que fala sobre o rompimento de um amor, e ele faz meia culpa:
“Violento é o amor Hoje eu peço paz Agora quem não quer sou eu, não Não quero mais Lará-laiá-laiá Nada do que foi será Pois tudo passa Tudo passará”
"Boa Noite São Paulo", uma das músicas que haviam sido colocadas na rua antes do disco, e traz todo o clima da night pra dentro da faixa, em um funk marcante, até Brown trazer uma pegada rap Gangsta:
“Eu te proponho Meu jardim secreto A casa do meu sonho Matriz do meu lugar Raiz onde você poderia nadar Sem lenda, sem vento Eu pensei te levar Eu componho uma trilha Te ponho no trilho Te pego, te faço um filho”
A música cinco é "Mulher Elétrica", outra canção que havia sido lançada antes do disco, o que fez muitos pensarem que seria uma faixa de novo disco dos Racionais, aqui com participação de William Magalhães e uma melodia mais pesada, Brown descreve uma mulher fatal que enlouquece os homens nos bailes, mas sempre dá um perdido nos malandros:
“Ela opera a festa, ela é quem comanda e a minha Comanda quase preencheu, mais Se ela vier valeu.... Ooo entendeu... Contos de uma festa black é a cinderela high tech, vai Vendo muleque, ela foi capaz De entrar no banheiro e não voltar mais, ela é...”
Faixa seis trás as memórias da festa, em "Foi Num Baile Black" com a participação de Hyldon e do Lino Krizz a música é uma balada romântica que traz um outro lado do Brown:
“E ainda destacou Logo desta cor Linda, tão bonita Eu pensei que fosse, dizem Quanto mais preta Amora mais doce Gamei nela Tola, blasfêmia Foi a mais fera das fêmeas”
Seu Jorge e William Magalhães, da banda Black Rio, participam de “Louis Lane”, com inspiração de Tim Maia e dos bailes da gringa, a música é mais pra cima, clima de festa remetendo as festas no Brasil das grandes equipes de shows dos anos 80. A letra é uma declaração de amor, e a canção um recorte de uma época:
“Por você eu paro um trem, pra mostrar disposição E não vejo mais ninguém (oh não) Faço tudo pra te ver feliz, me arrisco na função”
Na faixa 8, "Dance, Dance, Dance", Don Pixote e Seu Jorge marcam presença, com sample de Chic, de Soup for One OST, de 1982. A construção da música é como a de um rap, três caras dividem a faixa, as participações de Brown e Don Pixote são mais para o canto falado, enquanto que Seu Jorge é mais melódico e faz as vezes no refrão. Numa faixa romântica para falar de um amor proibido:
“Se o final for feliz Não nos perdoarão Sabe, vamo fugir desse lugar, baby Pras ilhas do sul Fuga de Alcatraz, vem ver Nas marginais como Bonny & Clyde, viver Antes que acendam as Luzes da Ribalta Olhares se cruzem e acusem minha falta”
"DJ Vitória Rios" faz participação na track é cede seu nome para a mesma, na verdade trata-se de uma vinheta para reforçar aquele clima de festa.
"Flor do Gueto" com Lino Krizz e Max de Castro, é um funk com groove, porém é uma música lenta, para aquele momento do baile de dançar juntinho, percebe-se os arranjos orgânicos bem conversados, bateria, baixo em uma guitarra solando. Nessa faixa temos o Brown romântico e, de fato, cantor, se afastando do rap:
“Como pude te tratar assim Prisão perpétua pra mim Flor do gueto é estrela do meu show
Todo gueto é meu amor”
Chegando na metade do disco, temo "La Onda" com Lino Krizz e Nelson Conceição é mais um daqueles soul que tocam alma, numa faixa mais lenta, com uma similaridade diante com a música “Onda” do Cassiano e pouca presença de Brown, a música narra os sentimentos de um cara ao pedir orientação aos céus depois de perder ser amor:
“Os dias vão O inverno vem A chuva cai E não vem ninguém
Você me esqueceu Valha-me, Nossa Senhora E agora? O que faço eu”
"Nova Jerusalém" é uma balada que suaviza o disco, com participações de Carlos Dafé, Mara Nascimento, Dado Tristão e de Lino Krizz, numa belíssima letra e música lenta, retomando de vez a época dos grandes bailes:
“Mulheres cantam Não há ciranda e pés no chão Eu reconheço a minha mãe ainda jovem Poeira sobe, crianças correm O campo aberto, um tempo bom Eu vejo gente que eu perdi Vejo palmar e um casarão”
A música seguinte é "Nave Mãe", com sample de One Way, que trás um groove que mistura funk e soul, baixo marcante e duetos, primeiro de Ellen Oleria e Lino Krizz, e no verso seguinte Krizz e Brown:
“Todos vejam, sejam Contra o mal Do juízo final Que irá nos julgar As nuvens do céu Abrir o portão Tão bem levará Lá do alto virá”
Seguindo temos "Por Mim e Não Por Elas", uma vinheta, ruído de festa ao fundo, e um mano trocando ideia com outro participante da noite, onde afirma que o estilo “chavoso” é por mim e não por elas.
Depois, a música “Adicto”, onde Brown encarna Tim Maia, num funk ao estilo do síndico, porém a música não é cantada, com uma entonação mais acentuada nas últimas sílabas em alguns versos, o vocal de Mano Brown segue uma linha mais rap. Dado Tristão tem uma tímida participação, e destaque para os efeitos de fundo como taças, porta se abrindo e fechando, salto alto no piso, elementos que ajudam na atmosfera da música:
“De bar em bar Decorando o balcão Dessa vez não Aprendi a amar Sofro desde então Mas dessa vez não Dessa vez não, dessa vez Se você pensa que vai fazer de mim Um cão sem lucidez”
A canção 16, "Felizes/ Heart to Heart", tem participação do estadunidense Leon Ware, é uma balada romântica, o vocal é ao estilo rap, mas o grave na voz de Brown lembra Tim, mais uma vez, na forma de construção da música. Já "Amor Distante" é apresentada em duas versões a primeira um Rap Mix e a segunda em um envolvente Blues, ambas com auxílio de Lino Krizz, em letra que o personagem central quer esquecer seu amor:
“Você me deu uma segunda vida Motivo pra viver, pra continuar Fez meu coração bater fora me mim Me desarmou e me amou Eu não quero ficar me explicando pra você Eu tô cansado”
"De Frente pro Mar" é a música de número dezenove, em mais uma participação de Lino Krizz, que fala do amadurecimento numa pegada ao estilo Jorge Ben:
“Hey , você que me esqueceu atenção Aquele abraço fortão, tudo de bom pra você Eu me mantenho rappero no mesmo "batlocal" Vejo os moleques crescendo até o outro natal Até , a cara feia não finge, o que me aflige é Dores do mundo que me atinge, né?”
Lino Krizz, em sua última participação no disco, entrega a belíssima música "Você e Eu... Só!", com uma guitarra ao estilo anos 70, em letra que exalta o curtir da vida ao lado da amada:
“A 130 no automático Porque hoje é sábado Tudo vai ser melhor Esquece, vem que ainda
Existe um horizonte muito além Vem, minha linda”
A penúltima música é a "Boogie Naipe, Baby!" é uma vinheta, em que Brown, em meio ao barulho característico de uma festa, agradece a todos na festa, numa espécie de brinde, e promete que logo vem mais.
Fechando a experiência de Brown com o Boggie Naipe, a música "Felizes", em que propõe felicidade ao lado de sua preta para esquecer as tormentas, com sample de Al Green:
“Não tenho tudo Mas tudo que tenho é seu Enquanto tiver saúde com a bênção de Deus Preta, vê se me espera Vê se me atende Vê se me... vê se me salva Vê se me entende”
O disco do Brown, Boogie Naipe, chega num momento importante da história da música e consciência coletiva, pois em tempos que a música negra periférica foge (pra não dizer que nega) suas raízes, o Boogie Naipe vem na contramão, vem pra lembrar a rapaziada de onde o rap saiu, que foi a Disco Music, o Soul, o Funk, o Blues… Resgatar as origens como forma de conscientizar, homenagear, educar e ensinar, e também divertir saudosistas e o novo público. Um Mano Brown falando de amor, ao invés de quadradas e do sistema, da um alívio na mente da mulecada, que vive num Brasil divido, onde qualquer coisa é inflamada e vira motivo de guerra, num tempo em que as redes sociais são um catalisador do ódio, desse modo o disco trás uma suavidade necessária para os ouvidos.
Mano Brown estampa a capa do disco, mas outro nome que poderia estar ali sem crise é o de Lino Krizz, que trabalhou muito nesse álbum, roubou a cena em várias músicas e conseguiu concretizar o sonho de Brown. O disco é longo, mesmo com algumas vinhetas e músicas curtas, mas são 22 faixas pra se ouvir com atenção, é um álbum pra ficar (e se ter em vinil!). A galera que acompanhou os grandes bailes com certeza vai se amarrar, pra molequeda mais jovem talvez soe estranho, mas a dica é ouvir o álbum com mais calma, várias vezes e deixar a vibe dos anos 70 e 80 invadirem seu rádio, este disco e fonte, beba dele!