top of page

O Rappa na Ofinina do Francisco Brennand


Como disse o artista plástico Francisco Brennand, O Rappa tomou de assalto com seus instrumentos a oficina do pernambucano, e foi lá em Recife, palco do manguebit, cidade que viu Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A nascerem e propagarem-se. A ideia era um DVD com um show no Marco Zero, mas a banda preferiu priorizar as tomadas feitas no atelie de Francisco, localizado na Várzea, na zona leste da capital pernambucana.


No inicio do DVD, Lauro Farias, Marcelo Falcão, Xandão e Lobato estão dentro de uma van, adentrando o local das filmagens, e vão trocando ideias, num clima de camaradagem, a banda teve humildade para lembrar que a um tempo atras o ego dos músicos não permitiria um rolê desse tipo: os quatros num único veiculo, e que a vida e a gravação de um projeto como esse uniu mais O Rappa, permitindo um belo trampo que caiu como um presente para os fãs.


O álbum é o quarto feito nos moldes do “ao vivo”, e foi lançado em 2016, ficou bem diferente do Acústico MTV, onde “Pescador de Ilusões”, “Reza Vela” e “Bitterusso Champagne” se repetiram nos dois trabalhos, a segunda como uma roupagem totalmente nova, sendo mesclada com “Norte -Nordeste me Veste” do Rapadura Xique Xico. As músicas escolhidas viajam entre o disco “Nunca tem Fim” e “7 Vezes” basicamente, mas lembram dos demais álbuns também, além de apresentar quatro faixas inéditas: “Sentimento”, “Intervalo Entre Carros”, “Uma Vida Só” e “Na Horda”. A evolução musical d’O Rappa se faz presente na diversidade dos instrumentos utilizados nesse trabalho, Marcelo Falcão, além do vocal, tocou violão e violão de nylon, Xandão foi de guitarra, guitarra de Lata e violão, já Lauro tocou seu baixo e mandou ver também no baixolão, enquanto que Lobato usou vibrafone, harmônio, melódica, balafon, steel drums, rototons, sampler, escaleta, além de fazer a percussão.


O disco contou com músicos convidados, além do Rapadura Xique Xico já citado, tivemos a presensa do Marcos Lobato no piano wurlitzer, no clavinete, no piano e no vibrafone, Felipe Boquinha tocou bateria, Negralha, que já é da casa, tava nos toca-discos, nos samples e scratches, fez percussão e também vocais, Tom Sabóia tocou violão e violão de 12-cordas.


O disco abre com o clássico “Pescador de Ilusões” do grande poeta Marcelo Yuka (ex-O Rappa), musica geralmente utilizada para encerrar os shows, a inovação trouxe a canção como cartão de visita. Falcão sentando e tocando violão, como é de costume em todo acústico clássico, que foi febre durante os anos 90, e assim solta a voz:


“Se eu ousar catar Na superfície De qualquer manhã As palavras De um livro Sem final, sem final Sem final, sem final Final”


Em seguida “Anjos (Pra Quem Tem Fé)”, música que virou um hino para O Rappa, trabalho que ganhou as rádios no último disco “Nunca Tem Fim” e ponto alto nos shows, pois transforma o palco em altar e o momento em uma celebração:


“Volte a brilhar, volte a brilhar Um vinho, um pão e uma reza Uma lua e um sol, sua vida, portas abertas”


A faixa 3 é “Vários Holofotes”, outro som pesado que já ecoava o disco “7 Vezes”, e que vem na versão acústica fazendo o mesmo barulho, música com letra bem densa, Falcão buscou um flow diferenciado pra carregar tantas palavras, os instrumentos de corda, da proposta desplugada, roubaram a cena:


“Olho a tv e o rádio ligado, não suportam a imensa gritaria. Já não há mais, já não há mais, O barulho lá fora, o barulho lá fora, Foi selada, foi selada a falsa calmaria. Águas lavam o chão da evidência na área mansa ela é testemunha no silêncio não existe flagrante foi lavado o asfalto com cunha”


A próxima faixa é a “Cruz de Tecido”, que deixa o clima pesado, originalmente do disco “Nunca Tem Fim”, a música vem numa especie de lembrete para algo que não deve ser esquecido, grito contra a impunidade e louvor e homenagem daqueles que se foram. A letra fala sobre a impunidade e descaso no caso da queda do avião da TAM no aeroporto de Congonhas, em 2007, que deixou 199 mortos. A letra é complexa e melódica, trazendo a intimidade do grupo com o rap:


“Olhos em pânico refletem as chamas Que cruzam o céu da avenida De encontro a estrutura de aço e concreto Muitas almas perdidas

A música chama atenção da nação Chocando a sociedade No plantão que conta a triste verdade”


Seguindo temos a música “Hóstia”, também do disco “7 Vezes”, as linhas de baixo da canção se encaixam na perfeitamente ao som do vibrafone do tamborim, numa letra que fala sobre os aliciadores de trabalho em regime de escravidão para as grandes lavouras, os gatos mimamos, onde o “gato” chega na cidade, vai de porta em porta ou anuncia por toda a cidade que está recrutando trabalhadores (“Os que sobravam encostados no balcão”), as pessoas desempregadas recrutadas pelos “gatos”, a referencia a hóstia, o corpo de Cristo, que protege esse trabalhador, que não é carne barata, mas sim a carne de Cristo, ou seja a Hóstia:


“Os que sobravam encostados no balcão Ali permaneciam nos trabalhos Em meio ao ar parado Não se ouve tiros não há estardalhaço Bicho-gente, bicho-grilo, quero que se dane Olhos de injeção

Gatos humanos espreitam Choram mimados meu rango”


Pensando novamente o clima, vem “Bitterusso Champagne” é uma canção relativamente antiga e pouco explorada, lançada no álbum “O Silencioso que Precede o Esporro”, a música não foi utilizada em shows e apresentações, sendo parte do lado B do disco, mas sua versão acústica na Oficina ganhou espaço nos shows durante a turnê do disco. Bitterusso Champgne é nome de uma bebida, a pior que o Falcão experimentou na vida, segundo relato do músico. Com variações de métrica e levada e marcantes linhas de baixolão, a letra fala sobre corrupção, que prejudica ainda mais o já prejudicado lado periférico da sociedade, e como os canalhas dá classe política se utilizam da situação para se promoverem:


“Cordão de fé tirado do peito E uma luz no fim do presídio Mas um buraco cavado às pressas Pra aliviar o suplício

A esperança no orifício, na revolução Quanto mais tiram de nós, lá dentro corrupção

Os atentados civis viram showmícios Dos que nunca estão no controle”


Sentimento” é uma faixa nova, composta por Marcela Vale, também conhecida como Mahmundi, os novos arranjos d’O Rappa trazem uma pegada mais regional, lembrando um forró, Lobato mostra sua versatilidade tocando acordeon que casou com a guitarra e baixo dos seus companheiros. Ainda ouve espaço para os scratchs e samples do DJ Negralha, num faixa que fala do amor no sentido popular:


“O amor é um mar difícil Tão fácil de se ver e admirar Todo amor tem um artifício Que não acaba e ninguém pode mudar

Guardo tanto tempo em mim Tudo só pra te mostrar Que vai valer a pena de verdade”


Não Vão Me Matar”, traz o reggae da banda dos anos 90, com um refrão mais acelerado e incluindo elementos acústicos com varias linhas de violão de 12 cordas e a escaleta do Lobato roubando a cena, na letra de forte cunho social que grita a resistência negra:


“Criticam uma raça tão bonita Que é capaz de agüentar Torturas, humilhações à parte Podem pisar, mas não vão me matar

Cantando a verdade, falando da vida Contando história, falando de amor Brigando com a vida, prá ser mais feliz Não vão me matar”


A próxima faixa é a novíssima “Intervalo Entre Carros”, que trás a melodia e harmonia nas linhas, reduzindo um pouco a tensão que outras faixas do disco trouxeram. Uma música para falar de mulheres, mas não no sentido do amor singular, e sim a vida das mulheres que não é fácil, como pegar um ônibus sozinha a noite na rua, num lugar deserto e chuvoso, cenário para um crime de abuso, mas que têm que ser forte e enfrentar qualquer parada errada, destaque para a guitarra acústica do Xandão e os scratchs do DJ Negralha encaixaram perfeitamente no som:

“Ela molhada espera o busu Na calçada parada mas não passa nenhum Só, sempre só No ponto de ônibus

Ela se safa de qualquer um Caô com ela não rola nenhum Só, sempre só No ponto de ônibus

Ela enfrenta como fez Ogum Rainha do asfalto derruba um por um Só, sempre só No ponto de ônibus”


A faixa “7 Vezes”, do álbum homônimo vem novamente trazendo o louvor para o trabalho d’O Rappa, falando sobre perfeição, fé e busca de conhecimento. Destaque para Lauro Farias que marca forte presença com o baixolão e a interpretação do Falcão que deu a alma nessa faixa:


“Num mundo assim bem grande, sete vezes escrevi seu nome. Num mundo assim bem grande, sete vezes escrevi.

Será que é é, fato necessário diz que é é, insistir e repetir que é é, todas as portas abrir.”


A faixa “Reza Vela / Norte-Nordeste Me Veste”, foi medley do rap “Nordeste Me Veste“, do cearense RAPadura com o rock n’ roll (com scratches) “Reza Vela“, d’O Rappa. A música segue na paulada do eletroacústico mesclando steel druns e violão de 12 cordas, e a escaleta de Lobato, que faz o papel de uma rabeca nessa faixa. Xandão comenta que “Quando começamos a pensar no DVD e nas participações especiais que teríamos, o nome dele [Rapadura] foi o primeiro da lista. Achamos que o que ele faz tem tudo a ver com o projeto”, já o rapper retribui: “Essa vai pra todos que sempre acreditaram, oraram e pediram por mim e também pra nunca botou fé que chegaríamos até aqui, é só o começo, a toda nação Nordestina, a toda nação Brasileira os meus sinceros sentimentos em cada verso, de corpo & alma tudo que tenho em cada palavra, obrigado a toda equipe O RAPPA pela humanidade, carinho, amor e respeito, obrigado minha pátria amada Brasil”

[Rapadura]

"Rasgo de leste a oeste como peste do sul ao sudesteSou rap agreste norte-nordeste epiderme vesteArranco roupas das verdadespoucas das imagens foscasPartindo pratos e bocas com tapas mato essas moscasToma! eu meto lacres com backs derramo frases ataquesAtiro charques nas bases dos meus sotaquesOxe! querem entupir nossos fones a repetirem nomesReproduzindo seus clones se afastem dos microfones"

[O Rappa]

"A chama da vela que rezaDireto com santo conversaEle te ajuda te escutaNum canto colada no chão mas sombras mexemPedidos e preces viram cera quentePedidos e preces viram cera quente"


A música “Uma Vida Só”, projetada para ser o hit da banda, conta a história de um ambulante em um ponto de ônibus, Lobato explica: “Era daqueles caras que vendiam de tudo, agulha e linha, lixa de unha, bala. Era tão bom vendedor e tinha um jeito tão particular que da última vez que tive notícias dele, tinha sido convidado por uma empresa de ônibus para fazer um curso de cobrador”. Revelando que uma pessoa real inspirou o som.


"Fico de cara com esse mundo

Chapado, interesseiro

Sempre no que é bom e barato

Fico de cara com esse mundo chapado

Tudo de graça, sempre do que é bom e barato"


A música “Na Horda” trás o que de melhor O Rappa tem, Lauro e seu baixo, Xandão na guitarra acústica , além de fazerem backing vocal, tem bateria, tem os teclados e tem Lobato no vibrafone, quase que como um percurcionista, e violões de apoio, um deles tocados pelo Falcão, que vem com sua levada que sabe alternar entre o momento acelerado que a letra exige e o os pontos de impacto que frisam a ideia de que depois das pauladas levadas pela correria cotidiana poderemos, enfim, descansar:


“Nascer todos os dias, tem tempo e tem hora Não se arrependa, não corra das pedradas de outrora Tudo passo com toda a sorte, uma reza bem forte Vamos achar nosso lugar nessa horda”


Linha Vermelha” fecha o disco, numa versão totalmente desplugada, com Lauro Faria no baixolão enquanto que Falcão e Xandão dedilham seus violões, abordo de um Catamarã que corta o rio Capibaribe, tendo como fundo a cidade do Recife, Lobato está presente, mas não interage na música, o momento frisa a união da banda, enquanto que uma das músicas mais belas da banda é entonada:


“em que recomeçar Tem que construir Tem que avaliar E ter hora pra agir O tempo todo O tempo todo agir

Vou me benzer Vou orar Vou agradecer Vou me rezar”


A produção do disco foi do Tom Sabóia junto com O Rappa , teve presença de Ricardo Chantilly como Produtor Executivo Geral. O DVD O Rappa Acústico Oficina Francisco Brennand é um misto de documentário com show, mesclando com falas do artista, como: “Alguém muito inteligente disse que a vida sem música seria um exílio”. A ideia de tomar de assalto esse local sagrado foi do Xandão, que explicou para o Diário do Pernambuco: “ Brennand não nos conhecia. Tivemos ajuda da filha e da neta dele para convencê-lo a nos deixar adentrar aquele espaço sagrado e gravar nosso show ali. É provável que 99% do nosso público também não conheça Brennand. A missão desse projeto é ligar nossa obra à dele”. Nesse trabalho que foi um dos mais importantes da banda, pelo momento e pela musicalidade como para o Brasil, em termos de movimentação de artistas

No Submundo (recentes)
Arquivos
#Submundo_do_som
No tags yet.
bottom of page