21 Vezes que o rap teve temas inusitados
O rap sempre foi tido como sério e como tenso, a forma de escrever no auge dos anos 90 era quase sempre a de um roteiro de bang bang moderno entre bandido e bandido (entenda-se policia aqui), ou um áudio documentário sobre o abando das quebradas, narrando toda a situação precária dos morros e vielas. O rap também sempre foi contundente, com discursos politizados e colocando o dedo na ferida ao cobrar nossas autoridades. Já do meio pra frente dos anos 2000 o estilo de rap que antes era conhecido como underground ganha notório espaço entre os adeptos, as letras ainda falam da quebrada, da polícia, de política mas de maneira mais lírica, mais poética e menos explícita, traz a tona o sentimento do MC, com reflexões pessoais, fala sobre a forma de rimar, da métrica, do flow, de como um rap é melhor que outro, do “Eu vs Você” do “Nós vs Eles”, fala de romance, de skate, de autoestima, como no passado fala da erva, uns dizem que é bom, outros alertam para os perigos, a luta do lugar do negro na sociedade sempre esteve em evidência nas letras também. Mas por algumas vezes o rap quebrou o protocolo e abordou outros temas, seja diversão, seja homenagem, seja o que for o rap sempre é mais do que aparenta ser. #NãoÉSóRap
GOG — Foi somente onda
O sample é do Cassiano, e conta a história do dia que o poeta do rap nacional foi dar um rolê na praia:
"As ondas do mar, refrescam meus pensamentos o vento soprando, o tempo passando mais lento (-É..) É um efeito incrível, alívio para o stress Que consome a cidade da cabeça aos pés (-Cabeça aos pés..) E nas ondas do rádio, viajo, faço planos (-Hu..) Na barraca rolando -quem? Cassiano..."
Veiga & Salazar — Arte Sequencial
Nesse som uma homenagem aos quadrinhos, a dupla Veiga e Salazar homenageiam os clássicos dá DC e Marvel Comics sem se esquecer dos artistas brasileiros:
“É a nova leitura do século 21, tiras em quadrinhos, vidas em comum, no fluxo da arte sequencial uma linguagem diferente a nível mundial. Morando em quadrados sendo esquecidos ou lembrados, eles atacam ou defendem o mundo para serem imortalizados, vivendo na Hiroshima de Gen ou na Nova Iorque dos Watchman, Clarck Kent já se aposentou assim como o Doutor Fantástico tomando um coro do Fanático, que chega causando mais um acontecimento trágico. E fecha as portas e janelas por que, eles chegaram pra levar você, os Piratas do Tietê direto da cabeça do Laerte, virou concreto Peter Parker, grandes poderes, grandes responsabilidades.”
Sombra — Piada Cabeluda
No disco “O Fantástico Mundo do Sombra”, o MC dedica uma track pra ninguém menos que a cabeleira, isso mesmo um rap inteiro dedicado ao cabelo:
"Ora vamos lá, você nunca ouviu falar Solução pro descabelo é estética capilar Não tem pra calvície não tem pra careca do idoso Penteado style louco é o do palhaço Bozo Lava, esfrega e puxa usou como cabelo Então a vassoura da bruxa Que todos os contadores de piada nos acuda Cadê o faz-me-rir com uma piada cabeluda"
Ogi — Minha Sorte Mudou
Ogi, o cronista, é mestre em trazer novos temas pro rap, pra citar um, o mano nos trás a história de um maluco que está tendo um dia de sorte, mesmo quando parece que vai dar errado, o jogo vira:
“ Coloquei o pé na rua e senti que algo mudou Nesse instante eu vi que a sorte pra mim retornou Quando olho pro chão, dou um passo pra trás Acho dezesseis notas de cinquenta reais
Fiquei muito feliz e fui tomar um 'domecq' Mas eu não me contive, pedi outro conhaque Eu fiquei de pileque, com um jeito moleque Só brisando no som daquela banda 'karnac’”
Duck Jam e Nação Hip Hop — VEM
A música trás um clima de camaradagem, dá galera que se junta pra pegar a estrada sem pensar em nada, só com a obrigação de se divertir, tirar lazer:
“hoje à noite quando o sol se por, a gente vai cair na estrada, a gente vai viajar sem destino paradeiro ou documento o esquema e só sair levantando no sossego certo. Por que é o seguindo eu tô num bom barato de tirar o mó barato com todos os meus camaradas, faz mó cara que a gente não arma uma parada”
Rincon Sapiência — Meu Bloco
No clima de carnaval Rincon lançou a pedrada que mistura o rap, o trap e o samba, nessa letra que exalta a cultura popular do carnaval:
“Nóis vem pesado como rei momo, rei momo Os pé-de-breque vive dando pala, dando pala Na comissão de frente, fico como? fico como? Sambo na cara tipo mestre-sala, mestre-sala Ponta de lança é meu bloco Só entra nele quem tem aval Não devo nada, dá meu copo Pra nós o ano todo tem carnaval”
Beatchoro — Samba de Breque
Nesse samba-rap os manos do beatchoro homenageiam as escolas de samba paulistas e cariocas, numa narrativa que cita elas:
“A minha "Pérola Negra" já estava lá Maravilhosa, graciosa, louca pra sambar Ela mora lá no morro da Casa Verde Lá pertinho do Imirim próximo ao Peruche do lado o Tucuruvi, desci o morro pra ver a molequeda pra lá e pra cá tirando um lazer do lado leste Seu Nenê vem chegando carregado de cumade, ele e Seu Leandro”
Face da Morte — Churrasco
Os caras do Face da Morte, direito do Interior paulista mostram que sabem como armar um churrasco daqueles, com sample de Jimmy Borrone, com You Get Me Hot:
“O time é a copa, firmeza, sem treta Olha o toninho lá na churrasqueira E aí vagninho, pega outra breja Fala pro GOG ligar o som do carro O Jimmy Borrone completa o cenário Jimmy Borrone completa o cenário. Parada bem louca pra lá de mil grau, se pá na seqüência rola um james brown depois toca aí um samba pra mim, um samba bom de verdade, tipo bezerra da silva, produto do morro só fala a verdade. Então, toca um samba pra mim desses que não se faz mais, falo do Sensação, da Leci Brandão, Fundo de Quintal e de Jorge Aragão”
De Menos Crime — A Todos da Várzea
O grupo DMC faz uma bela homenagem ao futebol de várzea, lembrando as lendas do futebol profissional que saíram dos campinhos de terra:
“O som do treme-terra anuncia a chegada, torcida em peso domina arquibancada, time de favela representa, Talento, Nóis na Fita, Cruzeirinho Muita Treta, sem essa de mau-mau, É só no futebol tradição nacional, Só interessa a conquista em baixo de chuva ou de sol, Flor da Vila, Só Doidão, 5 de Julho, União, prepara o rojão que o jogo vai ser bom, põe nessa a vontade, cerveja de montão, quem é merecedor levanta a taça, Unidos do Morro, Boa Esperança, talento é o que não falta pra time de chegada”
Rincon Sapiência — Rep and Roll
Sapiência de novo, mas essa não podia ficar de fora da lista, nesse som o mano lembra das banda de rock que fizeram barulho nos anos 80 e 90:
“Vida loca gosto de apreciá Liberdade, Mundo Livre S/A Minha nação também é Zumbi Disse Chorão, não deixe o mar te engolir
Intensamente vivemos, entendemos Que na hora que não vamos, escondemos Eu penetro no sistema, vai venu Protegido com minha Camisa de Vênus”
Thaide & DJ Hum — Soul Do Hip Hop
Os percursores do rap nacional fazem uma homenagem de alma ao hip hop. “Soul” que traduzido do inglês significa alma, então nesse som as rimas de Thaide e as batidas de DJ Hum contam a história do começo do hip hop no Brasil:
“Quando eu me lembro dos tempos da são bento, vamos dizer do começo do movimento, lutamos de várias maneiras para conquistar o nosso espaço, não acostumados com o fracasso, mas preparados para sofrer as avarezas, nunca mudo e nem muito bobo, mas saímos do sufoco graças ao nosso esforço, conseguimos jornais, radio, revista, mas ainda é muito pouco, essa história eu já contei uma vez, mas eu insisto em contar para vocês, soul do hip hop, sou do hip hop”
Inquérito — Hip Hop não Para
O grupo Inquérito também prestou sua homenagem a cultura hip hop, falando de todo o sentimento, toda a vibe do movimento, agradecendo os MC’s, DJ’s, B.Boy’s e grafiteiros:
“Vamo que já esperamos demais por essa causa mano, a trinta anos atrás se iniciava a cultura do gueto que trouxe vida pra gente, nóis batia nas lata hoje nóis bate de frente! Vários irmão numa missão até aqui uma geração que conseguiu sem desistir, uma caneta bic, rimando na sulfite, no break e no grafite, o hip hop vive! Foi comigo assim também eouvia e sentia me fazia bem Cheguei até aqui, não me arrependi só tenho a agradecer, tudo o que aprendi!”
Thaide & DJ Hum — Senhor Tempo Bom
Thaide novamente vem mostrando sua originalidade e saudosismo nesse som que exalta o tempo bom, os tempos de moleque, da mágica da infância e da juventude, com uma de suas melhores composições, trazendo a tona o clima de nostalgia:
“A transa negra que rolava as bolachas, a curtição do pedaço era o La Croachia, eu era pequeno e já filmava o movimento ao meu redor, coriografias, sabia de cor.
E fui crescendo rodiado pela cultura Afro Brasileira, também sei que já fiz muita besteira, mas nunca me desliguei, das minhas raízes, estou sempre junto dos blacks que ainda existem.”
Rapadura — Amor Popular
O rapper Rapadura Xique Chico encantou a cena, com sua levada e versatilidade ao mesclar o rap com o ritmos nordestinos como o baião, o forró, o xaxado e o maracatu, sempre exaltando sua terra. Nessa letra Rapadura fala sobre a tradição nordestina e a bravura do nosso povo:
“Pra ver o dia clarear fazendo a sanfona gemer Pro meu povo se alegrar, adoçar o viver Que possa ser o dia mais bonito que já se viu Por tudo que se floriu, por tudo que se sentiu Felicidade explodiu, todo sertão se buliu Todos souberam que foi no Brasil que isso surgiu Tipo rap com baião, tipo canção com batidão Tipo Rapadura e véio Gonzagão, a melhor dupla do sertão”
Black Alien — Homem de Família
Gustavo Black Alien sempre reflexivo dessa vez vem melódico para falar de Familia, da relação dos pais com os filhos, e o papel de um pai na formação de caratér de uma criança, tema diferente da “porralouquice” que o rap costuma pregar:
“Os primeiros passos No cabelinho das meninas, os primeiros laços No supermercado de carrinho Crescer cercado de carinho Amarrar sozinho os cadarços
Os sustos e as alegrias, as correrias Pra dar ponto pra pomada de alergia O primeiro convite para a reunião de pais Transmitir a ética e os valores morais”
Lindomar 3L — Cantando
Lindomar 3L, o mineirinho bom, trás uma bela homenagem ao seriado do Chaves e ao seu criador, Roberto Gomes Bolaños, usando sample de tema do seria, num hit mais infantilizado porém reflexivo e de extrema sinceridade, 3L manda o recado sobre como uma canção deve ser entoada: com o coração:
“Cantando, ei tio, pelo bem do Brasil, Lhe vem bonanças, cantando por cantar você vai matar suas esperanças, cantando a favor do sofredor alcança objetivos, cantando contra a escórria não terá concórdia só conflitos, cantando por amor de bom cantor vão lhe consagrar, cantando com ódio no peito de mau sujeito vão lhe chamar, cantando oportunismo para o abismo você irá, cantando com coleguismo um belo turismo você fará, cantando com coração e não garganta você progride, cantando com a garganta e não coração você se agride, cantando da boca pra fora trilha sonora não agrada ninguém, cantando do fundo da alma Deus bate palma também. Cantando, quero viver cantando (zas zas zas). Quero viver canto, quero viver feliz (isso isso isso)”
Lindomar 3L e Trilha Sonora do Gueto — Orgulho Caipira
Nesse som o Kaskão do Trilha Sonora do Gueto se junta ao mineiro Lindomar pra lembrarem dos artistas do sertanejo raiz, com direito a sample de moda de viola e tudo mais:
“Pois é o interior, que sustenta as capitais, com orgulho caipira eu sigo o meu caminho ao som de Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho contemplando as estrelas, o luar do meu sertão, sentindo o cheiro de relva que nem as Irmãs Galvão
Ainda ontem eu chorei de saudade meu mano, ouvindo lá no rancho fundo, João Mineiro e Marciano, andando de fuscão preto com o Trio Parada Dura e com a Nalva Aguiar no Dia de Formatura, nessa Estrada da Vida eu me ponho a cantar Com Chitãozinho e Xororó, A Majestade e o Sabiá, mas com a marvada pinga é que eu me atrapaio, com a Inezita Barroso, entro na venda e dou meu taio”
Jigaboo — Fim do Mundo
O Grupo Jigaboo, com seu jeito mais escrachado e metralhadora de rimas, formado pelo veterano PMC, o DJ Deco e doidão Suave, vem com o som pra falar de um tema nunca antes abordado, o fim do mundo, que gerou situações cômicas, o que fazer hoje sabendo que o mundo não vai existir amanhã?:
“Então pera ai que eu vou aproveitar Eu tenho medo de morrer, tem muita coisa que eu ainda não fiz e tenho vontade de fazer Por exemplo, xingar meu patrão Reclamar do salario, da promoção Eu quero ser demitido, convidar a secretária pra vir jantar e transar comigo Eu quero ser cara de pau, desmascarar um papai noel nesse natal
Depois não vem dizer que você não ouviu O mundo acaba no ano dois mil”
Pregador Luo — Apaga Mas Não Bate
Luo veio pesadão com seu álbum “Música de Guerra” onde fez várias temas para diversos lutadores de MMA, mas um pouco antes deixou sua paixão pelo esporte na letra apaga mais não bate que passa por várias modalidades de luta e homenageia grandes esportistas brasileiros:
“Lapidado que nem diamante Murilo Bustamante é de verdade e não de embalo devastador Rodrigo Minotauro, resistente como uma armadura Marcos Ruas, Pedra Dura é isso Pedro Rizzo, Ximu, Babalú um dois e BUM, tem que ser duro como o inimigo, guerreiro não se intimida, brasileiro bate forte faz babar sangue com saliva, fúria muay-thai, Anderson Silva, Vanderley Silva. Vem que vem, mas vem na fé, Chute-Boxe tem Vidal, Rudimar e Pelé A forca vem do alto, pronto para o Macaco, sem temor, sem medo Luiz Azeredo ta conosco é mais um crente, Bráulio Sam astuto como a Serpente equilíbrio, espírito, alma, corpo e mente”
Mano Brown com Almir Guineto — Mãos
Nesse híbrido de rap com sample de funk de baile black dos anos 70/80, com samba, o líder dos Racionais manda a letra falando sobre algo de importante que temos, mas mau paramos para prestar atenção e agradecer, as mãos:
“Mãos pobres querem ter o que é bom Mãos nordestinas me ensinou Que mãos para trás, neguinho, não senhor As mãos de Tyson, ódio, nocaute As mãos do mal também usam esmalte Mãos que apontam, mãos que delatam Toda mão tem, mãos trêmulas matam Mãos na cabeça o mão branca armou Algemas prende a mão de um sonhador Mãos negras, sinfonia funk As mãos do Rap não usam mão branca! Palma da mão, palma, negro dança Soube lavar alma, as mãos que se humilham aos céus Serão as que ergueram troféu”
Mano Brown e Jorge Ben — Umbabarauma (Ponta de Lança Africano)
Brown se junta ao mestre Jorge Ben para a releitura de um clássico, o umbabarauma: “Joga bola, jogador…”. Dessa vez o rap vem pra falar da paixão nacional, o futebol, onde Mano Brown narra os perrengues pra assistir um jogo no estádio, a emoção de um clássico, a explosão do grito de campeão entalado na garganta por anos:
“Nada mais que um jogo Eu sei, eu sei sim Aqui Morumbi, a fé é que me move Meu camisa 9, treino bem vai joga Salvador da final salve nosso natal Que a vida em si, tal uma merda Só pro milagre Um leão com cabeça de bagre Sobre o assédio do crime Sem gosta de ninguém Me time é quem me inspira por falta de alguém Onde como ele estiver Tente se puder Corajoso no domingo, chuvoso a pé Só que é, é rato de estádio sabia no rádio já dizia “Estamo em minoria!” Quem achou? Quem diria? Sonhei com este dia São quase 10 anos sem grita, campeão São Paulo tá vazio 100 mil Morumbi Olípico adversário acorde vai se Tri”
Conclusão
Num som do GOG, pra ser mais preciso o intitulado “Rua sem nome, barraco sem número” o poeta versa: “Veja até onde chegou o pensamento do moleque, dizer que se acabar os problemas acaba o rap”, escutando esse trecho com um camarada, que não curte rap, e ele me disse: “Por que não pensei nisso antes? Se acabar os problemas acaba a matéria prima para fazer rap”, quem conhece o hip hop sabe que não é verdade, e como vimos nesse texto, não é só de problemas, policia, politica, guetos, morros, favelas, egos, skate, conflitos pessoais, métrica, rimas e flow que servem de tempero para um bom rap. Lembrando que nessa lista tem apenas alguns rap’s, OU SEJA, há muito mais temas para falar do que julga conhecer nossa vã discografia. #NãoÉSóRap