Chico Science: Poeta do Mangue [Parte II]
Porém foi-se quase um ano até o nome Chico Science e Nação Zumbi oficializar-se como como banda, Chico ainda se apresentava com Loustal e com o Lamento Negro, ao mesmo tempo em que o nome mangue já havia explodido. O Bloco Lamento Negro, após ceder componentes para o Nação Zumbi, ainda permaneceu com suas atividades, ou seja, não deixou de existir, até por que é um projeto social com crianças e adolescentes no Chão de Estrelas, outro bairro carente de Olinda.
Chico deixou o Loustal para estar a frente da Nação Zumbi, todavia o Loustal continuava, agora com Jorge Du Peixe nos vocais, e ainda tinha a presença de Lúcio Maia e Dengue, todos viam o Loustal como um projeto paralelo ao Nação Zumbi, porém a importância do CSNZ fez com que pouco a pouco o Loustal deixa-se de existir. A primeira formação de Chico Science e Nação Zumbi tinha aproximadamente 15 integrantes, era uma desorganização total no palco, Lúcio e Dengue reclamavam que não conseguiam ouvir o som de seus instrumentos ao meio de tantos tambores, e a principio foram contra essa fusão, mas Science conseguiu convencê-los de que algo grande estaria por vir. Com tanta gente na banda era inevitável que uns e outros faltassem aos ensaios e não levavam a sério o trabalho, talvez por não acreditar, Toca Ogan, um dos percussionistas, não comparecia aos ensaios, todos davam como desistente da banda, e de repente em um show, ele aparece tocando seu instrumento e surpreende e supera a todos, mostrando grande capacidade de interação com os demais.
Desse modo, a Nação Zumbi foi enxugada e ficaram apenas 8 integrantes, sendo eles:Chico Science, Jorge Du Peixe, Lúcio Maia, Alexandre Dengue, Gilmar Bolla Oito, Toca Ogam, Gira e Canhoto. Du Peixe, foi convidado por Chico a compor a Nação Zumbi, logo após a extinção dão Loustal, porém para o amigo só restaria espaço nos tambores, onde Jorge assumiu com maestria, mostrando a sua versatilidade musical. Após ouvir o som do Lamento Negro e propor uma fusão Chico diz fazer a batida do mangue um novo som, seria prepotência de Science dizer criar um novo estilo musical? Hoje vimos que não foi só um estilo musical, mas uma cena musical de um estado quase defasado em música, pois como Fred 04 disse, já havia muito tempo que não saia nada de grande do Recife, o último foi Alceu Valença, e a as pessoas já não estavam mais ouvindo esse som.Com essa proposta de mesclar e usar termos do universo Mangue em suas letras, Chico Science e Nação Zumbi, como dito anteriormente, reprocessaram a música Manguetown, que virou hino dessa proposta.
Como tudo fora uma brincadeira que tomou proporção gigantesca de âmbito mundial, nada foi premeditado, a idéia era de mistura de ritmos, e de realizar uma cooperativa, outro termo muito utilizado na época, tanto é que as músicas eram compostas em conjunto entre a nação Zumbi e o Mundo Livre S/A, e os amigos que não atuavam como músicos, ajudaram na divulgação, como o caso de Renato L. e Mabuse. Fred 04 trabalhou em uma emissora de Pernambuco, a TV Uva, como uma espécie de repórter de documentários (Free Lancer) e antes de Chico de pensar no Mangue como música, 04 já havia feito uma espécie de documentário sobre os manguezais, então foi juntar o útil ao agradável, já que a imprensa, a principio pernambucana, e em seguida a brasileira de modo geral, queria uma resposta sobre que som é esse que vem do Pernambuco? Que história é essa de parabólica fincada na lama? Então nasce o primeiro manifesto do Manguebit: Caranguejos com Cérebro.
A cena em Recife estava formada. Músicos tocavam juntos, e juntos distribuíam panfletos, emprestavam instrumentos, e até letras em conjunto eram feitas, isso era uma cooperativa na música pernambucana, e a organização em meio ao caos chamou a atenção de olhos de todo o Brasil, assim a MTV Brasil foi até o Pernambuco para fazer uma matéria sobre a cena do mangue. Havia festivais em Pernambuco como o Abril Pro Rock em que os shows eram lotados apenas por bandas grandes nacionalmente, mas naquela época a galera estava em massa para ver Mundo Livre S/A e Chico Science e Nação Zumbi. O Manguebeat foi apresentado ao resto do Brasil, e veio presentear os ouvidos dos demais brasileiros. Ainda em Recife, a “cooperativa mangue” fez uma série de shows denominados “Da Lama Ao Caos” e arrecadaram fundos para uma turnê pelo sudeste do país.
A novidade de algo denominado Manguebit, fez pessoas arriscarem palpites sobre o futuro da música e das bandas, alguns viram oportunidades de ouro para fazer dinheiro com os pernambucanos, que a essa altura buscavam um lugar ao sol. Desse modo a gravadora Banguela Records, do grupo Titãs, fechou contrato com o Mundo Livre S/A, enquanto a multinacional Sony ficou com Chico Science e Nação Zumbi. Foram gravados, então, os dois primeiros discos do Manguebeat: Samba Esquema Noise do Mundo Livre S/A — 1994 e o Da lama ao Caos de Chico Science e Nação Zumbi — 1994, com essas duas obras estava fincado o conceito Manguebeat, que provou que não era apenas uma forma de fazer música misturando ritmos regionais aos modernos, mas sim que era uma nova cultura, ou contra cultura como alguns preferem chamar, era a necessidade de sair do mormaço pernambucano, que foi obtido inicialmente através da música, mas refletiu em outros segmentos da sociedade como os Quadrinhos, Esculturas, Cinema, Moda, Dança e na literatura.
Com o sucesso no sudeste do Brasil, aconteceram 0s shows pela Europa, turnês mundiais, cantando ao lado de ídolos como Gilberto Gil em New York e os Páralamas do Sucesso na Alemanha, porém devido a inexperiência, o jovem percursionista Canhoto oriundo do Lamento Negro, humilde de origem acabou fazendo coisas que os outros integrantes da Nação não aprovaram, e isso resultou em sua saída da banda, dando lugar para o baterista Pupilo. Assim, colhendo frutos do sucesso, a Nação Zumbi, gravou seu segundo disco Afrociberdelia, em 1996.O nome resulta da mistura de África com Cibernética e psicodélica, a última música do CD Da Lama Ao Caos, já apontava para o novo termo que Science e amigos inventaram, a faixa é Coco Dub (Afrociberdelia). E nesse álbum puderam colocar músicas que não couberam no primeiro disco, como Manguetown, Etnia e Sangue de Bairro, essa última composta para o filme Baile Perfumado, junto com Angicos[8], que não entrou em nenhum CD da Banda, enquanto que Manguetown e Etnia já existiam desde da época de Loustal. Outra canção de sucesso do disco é Maracatu Atômico, de Nelson Jacobina e Jorge Mautner, que foi, originalmente, gravada em 1973 por Gilberto Gil, e em 1974 pelo próprio Jorge Mautner, e então em 1996 é feita a releitura por CSNZ.
O sucesso de Chico Science & Nação Zumbi estava consolidado, sendo freqüentemente convocados para participações com artistas já consagrados como Fernanda Abreu, em Rio 40º e Arnaldo Antunes em Inclassificáveis, Max Cavallera, líder da Banda de Heavy Metal Sepultura, queria fazer um projeto paralelo com o malungo Chico Science, porém nunca chegou a dar certo devido a perca prematura do ídolo nordestino, mas o projeto já tinha até nome “Almas Sebosas” com Chico e Cavaleira nos vocais e um misto de maracatu com heavy metal nos instrumentais. Porém por intrigas com os músicos do Sepultura, Max deixou a banda e montou um novo grupo, o Soulfly, tendo como parceiro, Lúcio Maia da Nação Zumbi, e a nova banda de Cavallera já nasce como herdeira do Mangue, tendo músicas como Sangue de Bairro, de Chico e outras que são inspirações pura como Cangaço e Molambo.
No ano de 1997, ao dia 2 de fevereiro, aconteceu à morte de Chico Science, o movimento mangue sente sua falta. Science perde controle do Fiat Uno que dirigia e se choca contra um poste, fãs de todo mundo se despedem de uma mente brilhante, dentre eles Ariano Suassuna, que freqüentemente se desentendia com Chico devido a sua posição armorial[9] de não gostar da mistura de ritmos regionais com os mais modernos. A morte de Chico foi um choque para os mangueboys, mas o movimento soube atravessar essa fase de perca incomparável, e mesmo não sendo tão difundido como na época de Science, o mangue vive, talvez precisando que seja injetada nova energia na lama.Logo veio o segundo Manifesto do Movimento Mangue, também escrito por Fred Zeroquatro.