Chico Science: Poeta do Mangue [parte I]
13 de março de 2017, hoje Chico faria 51 anos, nascido em Olinda, Pernambuco em 13 de março 1966, Francisco de Assis França, filho de funcionário público aposentado, o Sr. Francisco de Assis, e mãe dona de casa, a Senhora Rita França, de origem muito humilde cresce na periferia de Olinda, no bairro de Rio Doce, estudava no colégio público Compositor Antônio Maria com seus três irmãos, Jamersson, Jéferson e Goretti. Freqüentavam a igreja do bairro, Comunidade São Francisco de Assis, onde tiveram o primeiro contato com a música, nas aulas de violão e canto no coral. Na década de 1980, Francisco de Assis França, com amigos do bairro freqüentava os mangues em busca de caranguejos para vendê-los, o pouco dinheiro arrecadado somado a uma contribuição vinda por parte dos pais era o suficiente para que Chico pudesse participar dos bailes de periferia da cidade
Nessa mesma época era novidade em território brasileiro o Hip Hop, então por toda parte era comum ver os jovens aderindo à novidade, rodas de break, grafiteiros, ao som do rap,onde MC’s mandavam suas rimas enquanto que os DJ’s faziam seus screatchs, e nessas festas de periferia Chico conheceu o movimento e também o parceiro de jornada Jorge Du Peixe, que atuava no movimento hip hop como grafiteiro, Chico e Jorge formaram então a Legião Hip Hop, que era a forma de se divertir dentro da cultura e com toda sua corda, esse era o primeiro grupo de Chico Vulgo, o apelido da época, onde saiam para mostrar os passos de Break, atuando como B.Boys e grafitando os muros da cidade. Com o crescimento do hip hop no Brasil, Chico criou a Orla Orbe, um grupo de rap, trazendo a música negra americana como foco, tinha como inspiração LL Cool Jay e Run DMC. O funk e o soul eram o estilo da Orla Orbe, que buscava embalar as noites com música dançante, mas também pensante, já nascia daí uma das idéias do revolucionário Manguebit: “A Diversão levada a sério”.
A Banda teve seu inicio em 1986, Chico Vulgo conseguiu espaço na rádio Transamérica de Recife para divulgar os bailes de periferias e shows da Orla Orbe, quando encontra com Doktor Mabuse e Fred 04, que gravavam o programa “Novas Tendências” na emissora, logo se instalaria uma amizade entre os três, o que anos mais tarde seria o núcleo fundador do Manguebeat. Da mesma época do grupo Orla Orbe, e o encontro com o Mabuse, (ou HD Mabuse), vem um novo experimento o Bom Tom Radio, também com o inseparável parceiro de infância Jorge Du Peixe, e como equipamentos modesto e até mesmo arcaicos, pra não dizer pré-históricos, como brincavam anos mais tarde. Da experiência veio a letra da música A Cidade, porém é claro em uma versão mais bruta, e a forma cantada é o rap.
Chico apesar de estar totalmente integrado no universo hip hop, sentia a necessidade de explorar novos ritmos e conceitos, então em 1988, junto com Du Peixe a convite de um amigo foram assistir ao ensaio de uma banda de garagem e conheceram Lúcio Maia, um guitarrista que não levava o som muito a sério, Chico e Jorge ficaram só observando os ensaios até um dia perderem a timidez, e em cima da guitarra de Maia cantaram seu rap, funk e soul da característico da Orla Orbe, o que chamou a atenção de Lúcio Maia e veio a influenciá-lo. No mesmo ano, em homenagem a um desenhista francês, Jaques de Loustal, que desenhava capa de bandas de rock, Chico, Lúcio Maia e Jorge, junto com o baixista Alexandre Dengue e o baterista Vinícius Enter, ambos vizinhos de bairro e amigos de infância de Lúcio Maia, formaram a banda Loustal, que tinha a base do rock dos anos 60 e misturavam com o funk/soul que estava explodindo na época, decorrente ao hip hop, assim como o rap da Orla Orbe.Nessa fase Chico escreveu as músicas Etnia e Manguetown.
Em paralelo ao Loustal, ainda em 1988, Chico Science mantinha a Bom Tom Radio, H.D. Mabuse tocava baixo, Jorge Du Peixe ficava na bateria eletrônica, com equipamentos altamente defasados e usando um cubículo como estúdio fizeram algumas “paradas” que posteriormente viraram músicas conhecidas como “Samba de Lado”,”Maracatu de Tiro Certeiro” de Jorge Du Peixe,”O Encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no Céu” e novamente a música “A Cidade” do Orla Orbe é gravada pela Bom Tom Rádio, assim como outras músicas feitas por Chico na época do hip hop do Orla como Negros”, “Valor” e “Roda, Rodete e Rodiano”, foram gravadas pela Bom Tom Rádio.
H.D. Mabuse conhecia Chico Science, Jorge Du Peixe, Lúcio Maia e Alexandre Dengue do Bairro do Rio Doce em Olinda. Porém as andanças por outras áreas renderam-lhe amizades como as de Fred Zeroquatro, Renato L., Xico Sá, e DJ Dolores. Esses últimos nomes são músicos e jornalistas do bairro de Candeias, de classe média de Recife, porém longe do centro da cidade. H.D. Mabuse permitiu o encontro entre os dois grupos de amigos, o pessoal do Rio Doce e de Candeias, bairros de periferia, cujos habitantes foram se encontrar no centro, como lembrou Du Peixe anos mais tarde em uma entrevista, assim formou-se uma forte amizade onde eles trocavam figurinhas sobre cinema, RPG, conflitos étnicos, a cena pernambucana, política, discutiam sobre quadrinhos, e é claro, sobre música também.Por brincar e ao mesmo levar a sério essa mistura de rap, funk/soul com rock, psicodélica Chico ganhou a alcunha de alquimista dos ritmos, e por sua imensa paixão pela ficção cientifica recebeu o apelido de Science, que vem de Ciência, apelido dado por Renato L. que tinha um tio com esse apelido, que também era fissurado por cinema de ficção cientifica, Renato acho interessante esse nome para Francisco França, que misturava ritmos em alquimia como um personagem de ficção cientifica.Agora com a alcunha de Science, Chico viu no amigo Fred Zeroquatro, um companheiro para as misturas musicais, já que o rapaz de Candeias tinha uma forte participação na cena punk de Recife, no cenário Pré-Mangue.
Chico Science leu o livro “Homens e Caranguejos” de Josué de Castro, um escritor pernambucano autor do livro “Geografia da Fome” que levava em seus textos discursos e estudos sobre a fome de modo universal, indicado ao Nobel da Paz e vencedor do Prêmio Internacional da Paz, Chico já se identificava com o escritor, mas o fato de ser de origem humilde e o personagem central do romance “Homens e caranguejos” ser de certo modo mais um Francisco de Assis ou Jorge Du Peixe, fez com que o livro fosse sua biografia também ao descobrir o mundo quando se depara com a miséria da lama, as brincadeiras e referencias ao mangue, recife passa a se chamar Manguetown, o que originou a letra de mesmo nome, ainda com o grupo Loustal, a cidade construída em cima da lama dos manguezais, onde habitam os homens caranguejos, ou posteriormente os mangueboys a forma de modernizar o termo, já que os anos 90 começam com uma série de acontecimentos tecnológicos que mudam a cultura do brasileiro, aproveitando o ensejo o núcleo base, ou seja, a galera de Candeias e Rio Doce, de forma metafórica, pensa na idéia de injetar um novo sangue no mangue, para não deixar a cidade morrer, visto que os manguezais são as veias de Recife, e forma adotada de dar uma nova adrenalina a Manguetown é fincar uma parabólica na lama afim de captar as ondas das freqüências mundiais, ou seja incluir aos costumes tradicionais o que existe de novo no cenário da música pop, e pela primeira vez ouve-se falar de chip, transistor, parabólica, antena, junto as palavras caranguejo, mangue, lama.
Science continuava com sua banda Loustal, fazia seus shows e suas letras já apresentavam fragmentos do mangue, como por exemplo, Manguetown, a letra se refere à cidade com seus cheiros peculiares, sobre a situação de pobreza de um homem que quer apenas se divertir.
Como o Loustal não garantia o sustento de Chico, o mesmo ainda tinha que trabalhar, e foi através de seu trabalho na Emprel (Empresa Municipal de Processamento Eletrônico) em Recife, que conheceu Gilmar Bolla 8, músico percursionista de um bloco de samba-reggae denominado Lamento Negro. Bolla 8 insistia para que Science fosse até o Centro Cultural Daruê Malungo, em Peixinhos, bairro da periferia de Olinda. Demorou mas Chico decidiu ir até lá, e quando chegou se encantou com os tambores de maracatu do Lamento Negro, e pensou: “Por que não misturar o som do tambor com os das guitarras psicodélicas do Loustal?”, essa seria mais uma proposta que sua comparação entre o mangue e a tecnologia, sendo que a o rock e o rap sempre presente em Science seriam a modernidade tecnológica e os ritmos regionais como o maracatu, por exemplo, em analogia, seria o mangue, algo cultural já existente, que seria reprocessado.
Chico Science & Lamento Negro, foi uma banda experimental de Chico junto sua musicalidade aos tambores e assim participava de algumas apresentações.O ano era de 1991, quando tudo se encaixava perfeitamente, as brincadeiras de boteco, os textos de Josué de Castro, a analogia do mangue com o Pernambuco, os ritmos regionais sendo reprocessados com ritmos novos, a eletricidade na lama, foi no Bar Catinho das Graças que Chico Science entrou com um sorriso no rosto, e entre um gole e outro de uma cerveja antes do almoço, anunciou uma nova batida: O Mangue.Então acontece o primeiro show, realizado em 1991 no Espaço Oásis, em Recife. E após um ano tentando convencer o Lamento Negro a doar sua musicalidade o Cientista ou Alquimista dos ritmos desenvolveu a seguinte equação:
Loustal + Lamento Negro = Chico Science & Nação Zumbi